"PENAS PARA USUÁRIOS DE DROGAS"


Criminalização, despenalização e descriminalização:antes da Lei 9.099/95 (lei dos juizados criminais) o art. 16 da Lei 6.368/1976 contemplava a posse de droga para consumo pessoal como criminosa (cominava-lhe pena de seis a dois anos de detenção). A conduta que acaba de ser descrita era problema de "polícia" (e levava muita gente para a cadeia). Adotava-se a política norte-americana da criminalização. O usuário de droga era um "criminoso".

A partir da Lei 9.099/1995 permitiu-se (art. 89) a suspensão condicional do processo e, desse modo, abriu-se a primeira perspectiva despenalizadoraem relação à posse de droga para consumo pessoal. Afastou-se a resposta penal dura precedente, sem retirar o caráter criminoso do fato.

Com a Lei 10.259/01 ampliou-se o conceito de infração de menor potencial ofensivo para todos os delitos punidos com pena até dois anos: esse foi mais um passo despenalizadorem relação ao art. 16, que passou para a competência dos juizados criminais. A consolidação dessa tendência adveio com a Lei 11.313/2006, que alterou o art. 61 para admitir como infração de menor potencial ofensivo todas as contravenções assim como os delitos punidos com pena máxima não excedente de dois anos, independentemente do procedimento (comum ou especial).

O caminho da descriminalização formal (e, ao mesmo tempo, da despenalização) adotado agora pela Lei 11.343/2006 em relação ao usuário, de modo firme e resoluto, embora não tenha transformado tal fato em infração administrativa, sem sombra de dúvida constitui uma opção político-criminal minimalista (que se caracteriza pela mínima intervenção do Direito penal), em matéria de consumo pessoal de drogas. A lei brasileira, nesse ponto, está em consonância com a legislação européia (que adota, em relação ao usuário, claramente, a política de redução de danos, não a punitivista norte-americana). De qualquer maneira, não ocorreu a total abolição do antigo art. 16 nem da posse de droga para consumo pessoal. Nesse sentido abolicionista acha-se a sentença proferida pelo juiz Orlando Faccini Neto, da comarca de Carazinho (RS). Mas não foi exatamente isso o que ocorreu com a nova lei de drogas, que passou a contemplar no art. 28 uma infração penal sui generis, punida tão-somente com penas alternativas.

Cabimento de transação penal:o novo "estatuto" do usuário, em linhas gerais, é o seguinte: o art. 28 constitui uma infração penal sui generis, da competência dos juizados, permitindo-se transação penal. Aboliu-se a pena de prisão para ele. Jamais ser-lhe-á imposta tal pena. A transação penal (nos juizados) deve versar sobre as penas alternativas do art. 28 e sua duração não pode passar de cinco meses. Essa pena alternativa transacionada não vale para antecedentes nem para reincidência (por força da Lei 9.099/1995, art. 76). Normalmente a transação penal impede outra no lapso de cinco anos. Em relação ao usuário isso não acontece quando ele reincide na conduta relacionada com a posse de droga para consumo pessoal, ou seja, o usuário pode fazer várias transações penais, dentro ou fora desse lapso temporal (em razão do consumo de droga).

Descumprimento da transação penal: havendo descumprimento da transação penal, para garantir sua execução, dispõe o juiz dos juizados de duas medidas (art. 28, § 6º): admoestação (em primeiro lugar) e multa (essa é a última sanção possível). A multa deve ser executada pelos juizados, nos termos da lei de execução penal (art. 164 e ss.). Caso o agente não tenha bens, aguarda-se melhor ocasião para a execução, até que advenha a prescrição (de dois anos, nos termos do art. 30 da nova lei).

"Reincidência" no art. 28: se o sujeito, depois de feita uma transação, reincide (é encontrado em posse de droga para consumo pessoal outra vez), não está impedida uma nova transação em relação ao art. 28, mesmo que dentro do lapso de cinco anos. O que muda, nessa "reincidência" (que aqui é considerada em sentido não técnico), é o tempo de duração das penas: de cinco meses passa para dez meses. Mas não existe impedimento automático (mesmo dentro do lapso de cinco anos) para a realização de uma nova transação. E se o agente praticar outro fato, distinto do art. 28? Nesse caso, a transação anterior impede outra, no lapso de cinco anos (art. 76, § 2º, II, da Lei 9.099/1995).

Sentença final condenatória: caso não haja transação penal, tenta-se em primeiro lugar, logo após o oferecimento da denúncia, a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/1995); não havendo consenso em torno da suspensão ou não sendo ela possível, segue-se o procedimento sumaríssimo da lei dos juizados; as penas do art. 28, nesse caso, são impostas em sentença final, dentro desse rito sumaríssimo. Nessa hipótese a sentença gera todos os efeitos penais (antecedentes, reincidência etc.).

Descumprimento da sentença penal condenatória: em caso de descumprimento da sentença condenatória volta a ter incidência o § 6º do art. 28 da Lei 11.343/2006, ou seja, cabe ao juiz dos juizados ou das execuções fazer a devida admoestação e, quando necessário, aplicar a pena de multa (que será executada nos termos do art. 164 e ss. da lei de execução penal).

Reincidência técnica: caso o sujeito venha a praticar, dentro do lapso de cinco anos, nova infração do art. 28 depois de ter sido condenado antes definitivamente por outro fato idêntico, é tecnicamente reincidente. De qualquer maneira, embora reincidente em sentido técnico, não está impedida nova transação penal para ele (quando pratica novamente a conduta do art. 28). O que muda em relação à anterior transação é o tempo de duração das penas, que passa a ser de dez meses. E se esse o agente tornou-se reincidente cometendo outra infração penal de menor potencial ofensivo, distinta do art. 28? Cabe ao juiz, nesse caso, verificar a questão do "mérito" do agente (antecedentes, personalidade, culpabilidade etc.) assim como a suficiência das penas alternativas em relação à infração cometida. Normalmente, entretanto, a reincidência impede a transação penal.

Como se vê, a nova lei de drogas em hipótese alguma impede nova transação penal para usuário quando ele reincide nessa infração e, de outro lado, de modo algum autoriza aplicar a pena de prisão em relação a ele. O usuário está regido por um novo "estatuto" jurídico no nosso país. Sua conduta ainda não saiu totalmente do Direito penal, mas um dia o legislador brasileiro certamente contará com suficiente coragem para descriminalizar penalmente esse fato, trasladando-o para o mundo do Direito administrativo.

Chegará o dia em que diremos que a posse de droga para consumo pessoal não é problema de polícia nem do Direito penal nem dos juizados, sim, das autoridades, agentes e profissionais sanitários, assistentes sociais, psicólogos, médicos etc. E que não demore muito a chegada desse dia! Devemos proporcionar ao pobre exatamente a mesma política que os ricos (naturalmente) sempre adoraram.


quarta-feira, 3 de agosto de 2011

LEMBRANÇAS DE UM APRENDIZADO FELIZ!



por
Llysanias Pinho
Algumas coisas foram aprendidas durante o tempo em que renunciei a vida que levava no submundo das drogas; o maldito inferno da adicção.
Foi preciso fazer essa renúncia após uma recaída de alguns dias onde; fraco e com a fé abalada busquei mais uma vez a ajuda de uma internação.
Lá naquela chácara humilde e ocupada por pessoas de todos os tipos, pensamentos e comportamentos diferentes; tive a oportunidade de rever alguns fatos.
Após a separação da minha família que era composta de ex-esposa e filha, um mundo infernal possuiu meus pensamentos. E o processo de recaída então surgiu.
Por isso hoje tenho a compreensão do que é uma recaída e o discernimento do que deve ser uma recuperação.
E uma das coisas que dizem e aprovo é que realmente a recuperação é individual. E esse entendimento não é um simples jargão adotado por mim.
A separação em si poderia ter ocorrido até mesmo anos antes. Mas não ocorreu por circunstâncias da vida a qual remeto até mesmo a uma ‘’Força Maior’’.
E dentro de seu tempo permitido ela acabou acontecendo.
Entrei então num inferno de pensamentos destrutivos que abalaram todas as minhas emoções. Acionaram todos meus mecanismos de defesas, despertaram vários defeitos de caráter e me tirou o Norte da espiritualidade em que eu vivia.
Evidentemente que muita imaturidade, questões mal resolvidas e auto-suficiência me deixaram mais vulnerável.
Então vejo hoje pessoas usando drogas fico impotente em algumas questões por entender uma das coisas que me disseram.
E foi lá, naquela chácara num dos primeiros dias que ouvi algo muito importante.
Na verdade numa das primeiras noites.
Após 3 ou 4 dias com a liberdade de pensar se queria mesmo continuar ali, ou então,ter tempo para pensar em voltar ao trabalho e continuar minha ‘’vida normal’’e não usar mais drogas.
Aproveitei essa ‘’liberdade’’ dada pela ‘’casa’’ e me sentava nestes 3 primeiros dias, às sombras das diversas árvores para pensar no que fazer.
Mas meus pensamentos eram tomados pelo sentimento de derrota. E eu só me ocupava em pensar na derrota e questionar-me porque tinha acontecido.
Foi inaceitável naqueles primeiros dias.
E debaixo destas árvores então, pedia a Deus uma explicação.
Questionei-o, zanguei-me e exigi respostas.
Como eu citei, na terceira ou quarta noite; sem sono, e sem vontade de participar da ‘’espiritualidade’’ daquele local; sentei-me na varanda e acendi um cigarro com meu livro que me ajudava com explicações sobre uma determinada religião.
Curiosamente, eu não estava sozinho.
Sentado à mesa, uma das várias mesas que havia na varanda, um senhor com muita experiência em dependência química, adiccto, alcoólico, e inteligente; propôs um dialogo sutilmente comentando sobre o livro que eu carregava.
Mal eu sabia a importância daquele momento e o quanto aquela conversa se reflete nos dias de hoje.
Comentei algumas coisas do livro com ele, o qual ele já tinha algum entendimento.
Algum conhecimento teórico também.
Bem, ficamos das 20 ate’ as 03:00 da manhã num papo longínquo que me fez refletir e decidir a minha permanência naquela chácara.
Comentei a principio sobre minha recaída e os fatores que me levaram a usar drogas novamente com aquele senhor.
Falei do meu inconformismo com as coisas que aconteceram e me levaram’’à queda’’.
Comentei sobre eu estar ali para rever meus valores, meus princípios e pensava em permanecer por 45 dias porque ‘’para mim seria suficiente’’.
Meu auto- engano e prepotência eram evidentes.
Mas minha confusão mental não.
Eu pensava estar certo, mesmo tendo aprendido na primeira internação que a recuperação ‘’era para sempre!’’
E acreditem meus irmãos, ouvi coisas que poderiam me fazer abandonar o tratamento mesmo naquela hora em que a noite chegava à madrugada!
Mas ouvi. E fique com a sensação de ter que discernir o que conversávamos.
E entre as coisas que ouvi como citei no inicio desta ‘’carta’’ foi que eu estava fazendo chantagem comigo mesmo. Que eu não estava em condição de decidir nada. Que a compulsão estava forte e provavelmente eu voltaria ao uso se saísse dali. Que estava bancando a vítima do mundo. O coitadinho. Mas também ouvi durante aquela conversa que eu ‘’aparentava’’ ser um Homem bom. ‘’Senão não daria meu tempo a você agora, a essa hora da noite’’ – foi o que ouvi dele também.
Mais do que ter ouvido, percebi e senti sua vontade em me ajudar. Até porque eu também poderia tê-lo mandado pro inferno e não ter continuado a dar ouvidos.
Mas quero comentar a respeito de algo que me faz pensar até os dias de hoje na frase que ouvi naquela noite.
E essa frase é: ‘’RECUPERAÇÃO TEM PREÇO’’.
Ele ainda comentou que ‘’não seria gostoso abandonar aquela vida de agito, tentações, aventuras, adrenalinas e muita balburdia para viver uma vida monótona; sem drogas.’’
Passei então o resto da semana pensando naquele diálogo.
O que me fez e fez até os dias de hoje tê-lo como um grande amigo.
Mesmo hoje ele estando distante!
Entendo hoje em dia que precisei da HUMILDADE, para ouvi-lo.
Precisei fazer minha parte e essa parte foi a de pensar a respeito daquela conversa.
No carinho e compreensão que tive; pois era exatamente o que eu mais precisava.
Não era dinheiro.
Não havia interesse qualquer a não ser o dele em me ajudar. E o meu em ser ajudado.
Por isso, com muito carinho hoje escrevo a respeito daquele dia.
Daquele momento, daquelas horas da madrugada.
E sou feliz por ter tido alguém tão especial na minha vida!
Precisei ouvir.
E hoje reafirmo e defendo sua ‘’tese’’.
Recuperação tem preço.
Mas é individual.
E tento assim passar os demais algo além do que ‘’levar ao outro a mensagem’’.
Mas fundamentalmente algo que me conduz ao entendimento que não sou só adiccto.
Sou um Ser Humano.
Pense a respeito.
Me ajudou e muito!
Para você; recuperação tem preço?
Qual o preço?
Quanto vale viver de fato e aprender a lidar com as pessoas, o mundo e consigo mesmo?
Quanto vale hoje o sorriso da minha filha?
A confiança das pessoas?
O trabalho?
A saúde física?
O relacionamento que tenho hoje com essa pessoa maravilhosa que chamo de mulher?
A ordem dos meus pensamentos?
A firme fé?
O trabalho solidário que executo?
As horas do meu dia?
A amizade com a mãe de minha filha?
O reconhecimento das pessoas?
As amizades que tenho?
Qual o preço?
Somente sem drogas o cálculo pode ser feito!

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