por
Llysanias Pinho
Algumas coisas foram aprendidas durante o tempo em que renunciei a vida que levava no submundo das drogas; o maldito inferno da adicção.
Foi preciso fazer essa renúncia após uma recaída de alguns dias onde; fraco e com a fé abalada busquei mais uma vez a ajuda de uma internação.
Lá naquela chácara humilde e ocupada por pessoas de todos os tipos, pensamentos e comportamentos diferentes; tive a oportunidade de rever alguns fatos.
Após a separação da minha família que era composta de ex-esposa e filha, um mundo infernal possuiu meus pensamentos. E o processo de recaída então surgiu.
Por isso hoje tenho a compreensão do que é uma recaída e o discernimento do que deve ser uma recuperação.
E uma das coisas que dizem e aprovo é que realmente a recuperação é individual. E esse entendimento não é um simples jargão adotado por mim.
A separação em si poderia ter ocorrido até mesmo anos antes. Mas não ocorreu por circunstâncias da vida a qual remeto até mesmo a uma ‘’Força Maior’’.
E dentro de seu tempo permitido ela acabou acontecendo.
Entrei então num inferno de pensamentos destrutivos que abalaram todas as minhas emoções. Acionaram todos meus mecanismos de defesas, despertaram vários defeitos de caráter e me tirou o Norte da espiritualidade em que eu vivia.
Evidentemente que muita imaturidade, questões mal resolvidas e auto-suficiência me deixaram mais vulnerável.
Então vejo hoje pessoas usando drogas fico impotente em algumas questões por entender uma das coisas que me disseram.
E foi lá, naquela chácara num dos primeiros dias que ouvi algo muito importante.
Na verdade numa das primeiras noites.
Após 3 ou 4 dias com a liberdade de pensar se queria mesmo continuar ali, ou então,ter tempo para pensar em voltar ao trabalho e continuar minha ‘’vida normal’’e não usar mais drogas.
Aproveitei essa ‘’liberdade’’ dada pela ‘’casa’’ e me sentava nestes 3 primeiros dias, às sombras das diversas árvores para pensar no que fazer.
Mas meus pensamentos eram tomados pelo sentimento de derrota. E eu só me ocupava em pensar na derrota e questionar-me porque tinha acontecido.
Foi inaceitável naqueles primeiros dias.
E debaixo destas árvores então, pedia a Deus uma explicação.
Questionei-o, zanguei-me e exigi respostas.
Como eu citei, na terceira ou quarta noite; sem sono, e sem vontade de participar da ‘’espiritualidade’’ daquele local; sentei-me na varanda e acendi um cigarro com meu livro que me ajudava com explicações sobre uma determinada religião.
Curiosamente, eu não estava sozinho.
Sentado à mesa, uma das várias mesas que havia na varanda, um senhor com muita experiência em dependência química, adiccto, alcoólico, e inteligente; propôs um dialogo sutilmente comentando sobre o livro que eu carregava.
Mal eu sabia a importância daquele momento e o quanto aquela conversa se reflete nos dias de hoje.
Comentei algumas coisas do livro com ele, o qual ele já tinha algum entendimento.
Algum conhecimento teórico também.
Bem, ficamos das 20 ate’ as 03:00 da manhã num papo longínquo que me fez refletir e decidir a minha permanência naquela chácara.
Comentei a principio sobre minha recaída e os fatores que me levaram a usar drogas novamente com aquele senhor.
Falei do meu inconformismo com as coisas que aconteceram e me levaram’’à queda’’.
Comentei sobre eu estar ali para rever meus valores, meus princípios e pensava em permanecer por 45 dias porque ‘’para mim seria suficiente’’.
Meu auto- engano e prepotência eram evidentes.
Mas minha confusão mental não.
Eu pensava estar certo, mesmo tendo aprendido na primeira internação que a recuperação ‘’era para sempre!’’
E acreditem meus irmãos, ouvi coisas que poderiam me fazer abandonar o tratamento mesmo naquela hora em que a noite chegava à madrugada!
Mas ouvi. E fique com a sensação de ter que discernir o que conversávamos.
E entre as coisas que ouvi como citei no inicio desta ‘’carta’’ foi que eu estava fazendo chantagem comigo mesmo. Que eu não estava em condição de decidir nada. Que a compulsão estava forte e provavelmente eu voltaria ao uso se saísse dali. Que estava bancando a vítima do mundo. O coitadinho. Mas também ouvi durante aquela conversa que eu ‘’aparentava’’ ser um Homem bom. ‘’Senão não daria meu tempo a você agora, a essa hora da noite’’ – foi o que ouvi dele também.
Mais do que ter ouvido, percebi e senti sua vontade em me ajudar. Até porque eu também poderia tê-lo mandado pro inferno e não ter continuado a dar ouvidos.
Mas quero comentar a respeito de algo que me faz pensar até os dias de hoje na frase que ouvi naquela noite.
E essa frase é: ‘’RECUPERAÇÃO TEM PREÇO’’.
Ele ainda comentou que ‘’não seria gostoso abandonar aquela vida de agito, tentações, aventuras, adrenalinas e muita balburdia para viver uma vida monótona; sem drogas.’’
Passei então o resto da semana pensando naquele diálogo.
O que me fez e fez até os dias de hoje tê-lo como um grande amigo.
Mesmo hoje ele estando distante!
Entendo hoje em dia que precisei da HUMILDADE, para ouvi-lo.
Precisei fazer minha parte e essa parte foi a de pensar a respeito daquela conversa.
No carinho e compreensão que tive; pois era exatamente o que eu mais precisava.
Não era dinheiro.
Não havia interesse qualquer a não ser o dele em me ajudar. E o meu em ser ajudado.
Por isso, com muito carinho hoje escrevo a respeito daquele dia.
Daquele momento, daquelas horas da madrugada.
E sou feliz por ter tido alguém tão especial na minha vida!
Precisei ouvir.
E hoje reafirmo e defendo sua ‘’tese’’.
Recuperação tem preço.
Mas é individual.
E tento assim passar os demais algo além do que ‘’levar ao outro a mensagem’’.
Mas fundamentalmente algo que me conduz ao entendimento que não sou só adiccto.
Sou um Ser Humano.
Pense a respeito.
Me ajudou e muito!
Para você; recuperação tem preço?
Qual o preço?
Quanto vale viver de fato e aprender a lidar com as pessoas, o mundo e consigo mesmo?
Quanto vale hoje o sorriso da minha filha?
A confiança das pessoas?
O trabalho?
A saúde física?
O relacionamento que tenho hoje com essa pessoa maravilhosa que chamo de mulher?
A ordem dos meus pensamentos?
A firme fé?
O trabalho solidário que executo?
As horas do meu dia?
A amizade com a mãe de minha filha?
O reconhecimento das pessoas?
As amizades que tenho?
Qual o preço?
Somente sem drogas o cálculo pode ser feito!